quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

We're on our way home*

Acho que essa é a primeira vez em que reluto em escrever um post sobre a Guatemala. Quando pensei em criar o blog para contar minhas andanças nas terras maias, não tinha a mínima ideia de como seria chegar ao final da experiência mais linda e maluca da minha vida.

Eu compartilho a opinião de que um texto toma vida própria a partir dos rabiscos das primeiras palavras. Isso que estou escrevendo já não é meu, senão representa o caminho por onde essa história quis se entranhar. E aqui estou eu, encarando meu computador, tentando encontrar subterfúgios para me despedir deste blog e da minha vida chapina, confesso que um pouco tarde, já que há algumas horas pousei em território brasileiro. Porém, a vida aqui continua mais chapina que nunca, embrenhada de memórias, risadas, amores, emoções e, claro, com sua quantidade relativa de lágrimas.

Por isso eu me recuso a me despedir desse blog assim, a seco. Pois saibam (e eu aqui espero aguçar expectativas) que esse será meu penúltimo post, já que uma despedida de verdade exige uma edição especial (e final snif snif) do Mira Pues, ainda que a produção, direção e elenco já estejam em solo brasileiro. Entretanto, contudo e todavia (e a partir de agora é muito engraçado escrever todavia sem pensar que isso em espanhol significa ainda), declaro virtual e publicamente postergar esse adiós até onde não conseguir mais.

Nesse último mês na República de Quauhtlemallan (assim descobri eu que se chamava essa terra bonita antes dos espanhois chegarem) aproveitei pra dar umas últimas voltas no país e acabei conhecendo o que há de recôndito por aqui (quer dizer, por lá... lá na Guatemala). Assim fomos parar na cidade de Huehuetenango (creio que 80% das cidades chapinas terminam em “tenango”: Chichicastenango, Chimaltenango, Quetzaltenango... Já posso imaginar que tenango vem do maia “fim do mundo” e é claro que aí se encontra a oportunidade de visitar lugares que pessoas mais normais não fazem ideia de que existam). Huehue é até grandinha e tal, mas os povoados em volta que me pareceram coisa do outro mundo, enquanto pra eles são super normais, óbvio.

1ª parada: Ruínas de Zaculeu >> pirâmides, pirâmide e pirâmides maias. Maluco!!

2ª parada: Todos Santos
De Huehue pegamos um mini-bus por 3h subindo uma serra com o nascer do sol mais lindo ever até chegar a este pueblo na divisa com o México onde as pessoas quase não falam espanhol. Todos se vestem iguais e as lojas vendem sempre aquele conjunto básico de calça vermelha com listrinhas para os homens e saias típicas azuis para as mulheres, blusas brancas com detalhes azuis e um chapéu de não-sei-o-quê com uma fitinha azul. Enfim, descobri que pra estar na moda nativa é necessário economizar. O look completo sai entre 400 a 500 reais. O conjunto da obra é bonito e interessante, mas os tecidos cheiram a cabrito, aí vocês podem imaginar o odor dentro de uma van fechada cheiaaaaaa de descendentes maias.


O mais interessante em Todos Santos é que a vida não passa e o mais legal é sentar na pracinha e ver a vida não passando e esconder-se do frio... Aí sim você se sente um estrangeiro infiltrado entre os nativos, observando aquela língua impronunciável e tentando entender que eles fazem da vida. Isso foi fácil descobrir, porque além da agricultura, 90% do PIB do povoado é proveniente das lojinhas (em espanhol “tiendas”) que vendem de tudo: de chiclete a fralda, passando por energéticos e sopas instantâneas. A impressão que dá é que existe uma tienda para cada habitante, bizarro! Em Todos Santos aprendi 3 coisas: o ser humano realmente não precisa de muita coisa pra viver, a logística da Coca-Cola é absurda (sim, os nativos em suas roupas pré-colombianas tomam refrigerante!), e há alguns anos um japonês foi morto depois de tirar foto de uma criança do povoado. Os todo-santenses pensaram que ele e o grupo da excursão planejavam sequestrar a niña para um ritual satânico. O mais legal é que só soubemos disso depois da viagem, e depois de tirar 567 fotos de crianças, velhos e adultos, gracias, muy amable, oíste?!

3ª parada: Aguacatán – não vou comentar muito, mas a gente conheceu um rio nascendo e pegou um tuk-tuk cujo motorista se chamava Nacho e tinha um prego na orelha.

4ª parada: Momostenango (olha o tenango aí outra vez!) – só pra saber: chegamos lá para conhecer uma erosões que resultaram num monumento natural muito bonito, porém fazendo a curva numa rua qualquer nos deparamos com um desfile de fantasias totalmente aleatório. Uma produção impecável e um recuerdo eterno. Nessa vida eu nunca poderia imaginar que veria o elenco de Alice no País das Maravilhas dançando cumbia e salsa ao lado de Austin Powers e do Homem-Aranha.



Outras paradas depois... Jalapa. Viajando por lá cheguei ao vulcão (inativo, amém!) de Ipala, onde supostamente o carro chegava até quase o topo e da lá seria uma andadinha de 5 minutos até a cratera. Não foi bem assim, o carro ficou embaixo e tivemos que subir 1h entre pedras, resquício de asma e inclinações. Perdas de fôlego a parte, tudo valeu a pena quando na cratera se encontra uma lagoa linda e a paisagem e companhias perfeitas em meio a um frio cortante.




O lance é que depois de todo esse tempo de intercâmbio minha cabeça mudou (o corpo também depois das libras a mais haha), e mesmo em ares brazucas, por hoje só respiro Guatemala.

Mais fotos em um link no último post.

*Ao som dos mais queridos dos queridos: 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A areia é preta mas a saudade é pura

A um mês e alguns dias de terminar meu intercâmbio e de começar a desabar de chorar pelas pessoas queridas que aqui deixarei e pelos momentos singulares vividos na Guatemala (ver posts sobre tatu empalhado, terremoto, chuva de cinzas, imigração etc.), chego à conclusão de que os sentimentos experimentados são os mais diversos possíveis. Saudades então, nem se fala. Poderia enumerar, se eu soubesse contar até onde chegaria esse número, as milhares de coisas não-óbvias das quais sinto falta do Brasil e tudo que extrañaré* de Guate com todo meu coração.

Para economizar meus dedos e seus olhares, melhor um Top 5, que já adianta o nosso lado:

Coisas não-usuais das quais eu sinto falta

1. Vassoura de piaçava (ao som de “Ê saudade que bate no meu coração”);
2. Transcol (acreditem, capixabas);
3. Caixa eletrônico (na Guatemala as operações são limitadas, ou você vê seu saldo ou saca dinheiro. Transferência e extrato são palavras inexistentes no vocabulário chapin, em compensação a palavra fila faz parte do imaginário social há 700 anos a.C.);
4. Ir a restaurantes e tomar sucos que não sejam de lata;
5. Sair à noite e voltar depois da 1, 2, 3, 4, 5h da manhã (aqui à 1h eles acendem a luz, desligam o reggaeton e te mandam pra fora).

Coisas das quais sentirei uma saudade absurda

1. Caronas (sério, esse é o país do jalón** e cada família da classe média tem um carro pra cada integrante, bizarro);
2. Não suar da hora em que você acorda até a hora de dormir (obrigada Vitória!)
3. Sushis de abacate sem abacate (sempre peço pra tirar, sério, qual é a função do guacamole na comida japonesa?);
4. Comer frijoles volteados no café-da-manhã vez ou outra;
5. Ir às praias do Pacífico e ficar encantada com a areia preta, achando que é a primeira bizarra maravilha do mundo.

Falando em areias pretas e no Pacífico, não é que tem um Mira Pues quentinho como o litoral guatemalteco, rapaz? Dessa vez Fábio e eu conseguimos um estagiário que roubou a cena nas gravações e resultou num vídeo um tanto quanto engraçado e repleto de piadas internas.

Que Piscinão de Ramos que nada, o lance é você ir a uma praia pública, pegar uma micose e ser feliz.

Dá o play, Maca.



*Extrañar = sentir falta
**Jalón = carona

domingo, 3 de outubro de 2010

San Blas: o paraíso não é logo ali mas a gente chega!

Fugindo da chuva vitalícia na Guatemala, um grupo de amigos e eu resolvemos investir num feriado coletivo e elegemos o Panamá como destino final. Apesar de ser de Vitória, nunca fui fã de terras muito quentes e estando na Guatemala há um ano, já me desacostumei a sair do banho suando e permanecer o resto do dia escorrendo água pelo corpo onde quer que você esteja. Na verdade Guate tem a melhor temperatura do mundo, o problema é que chove seis meses seguidos por ano. E se fica um dia sem chover, tenha a certeza que no outro cairá a cota de água do dia somada ao que não caiu no dia anterior.

Enfim, o Panamá é tão quente3 que deixa os verões de Vitória pedirem arrego. O mais interessante é que a quantidade de suor liberada é inversamente proporcional à amabilidade dos panamenhos. Não vou generalizar porque existe gente boa até na Argentina (Copa do mundo feelings), mas em todas as lojas, restaurantes e em 80% dos taxis as pessoas ou foram grossas ou ignorantes ou indiferentes à nossa presença. O que mais me marcou, de fato, foi o táxi no Panamá. Se ele estiver indo pra aonde você quer ir ele te leva, senão o motorista nem te responde e simplesmente vai embora.

Passamos um dia na capital, dormimos 1h e fomos de viagem para San Blas, um arquipélago caribenho bizarramente lindo, formado por 365 ilhas, cuja propriedade só pode ser concedida aos nativos Kuna Yalas. O orçamento de trainee nos permitiu ficar em uma ilha apenas, o que foi o suficiente para recuperar o bronzeado perdido, repor uma média de 50 horas não dormidas, fortalecer o maxilar com doses fortes de risadas de 15 em 15 minutos e gravar mais um episódio do Pocket Show Brasi-Chapin mais divertido de todos os tempos, senão o único: MIRA PUES!

Aí você pára e pensa: a menina teve que nascer no Espírito Santo, morar na Itália, completar 24 anos e ir pra Guatemala conhecer o Deus do Milho, resolver comprar uma passagem para o Panamá pra descobrir que o paraíso tem 70 judeus por metro quadrado e não precisa de banheiro.


Quem quiser conhecer nossa dura rotina em San Blas, favor acessar o Tortilla Vida, também conhecido como o "Blog do Fábio".

Assistam agora!
(Versão com legenda em breve!!!!)

sábado, 31 de julho de 2010

Y el Oscar va para...


Em ano de eleição no Brasil descobri que posso votar mesmo estando aqui na Guatemala, diferentemente do que me informou o cartório eleitoral vila-velhense dias antes de eu viajar. Resultado: não me preocupei em trazer meu título e não participarei da tão sonhada festa da democracia (ai meus tempos de mesária...).

Claro que eu sinto saudade de muitas coisas do Brasil, família, amigos, cachorro, praia, picolé da Ajelso... Mas foi pensando no cartório eleitoral que me dei conta de que o Brasil e a Guatemala têm certas coisas em comum que não me fazem sentir saudade do meu país e que muito menos “extrañaré” ao sair de terras chapinas: a falta de informação, a burocracia excessiva e a falta do que fazer de algumas pessoas.

Pra vocês entenderem do que se trata o post, vou fazer a linha Glória Perez e contar uma novela meio sem pé nem cabeça num lugar recôndito do mundo, no qual Fábio, Guto e eu (trainees brasileiros), Vivian Shanchez e Rocío (logo irão conhecê-las) vivemos uma história de ódio e ódio na tentativa frustrada de legalização neste país.

Brasileiro não precisa de visto para entrar na Guatemala. Mas se ele for tão louco como a gente e quiser morar no país, tem que percorrer um caminho mais sinuoso que o que tentamos fazer para subir o vulcão do Pacaya. Tudo começa no Brasil, entre traduções de documentos, carimbos, depósitos em dólar e termina em... Bem, eu já acredito que nunca termina, depois de todas nossas aventuras no temível departamento de migração, um prédio feio, com paredes sujas e amareladas, com seguranças barrigudos comendo pão com feijão e fotos de índigenas com legendas em alguma língua maia. Temos que saber separar o joio do trigo, lógico, porque há funcionários e “funcionários”, mas pegue o estereótipo do funcionalismo público no Brasil, multiplique por cinco, eleve à segunda potência e você terá uma noção do nosso apreço por esse departamento.

Ingressamos os papeis em fevereiro e nos falaram que em dois meses sairia nossa residência temporária. Três meses e o acaso nos avisou que faltavam documentos, mais outro par de meses e consultas insistentes por telefone e ao vivo e eles já não tinham mais data para sair a residência. E o pior é que nas 543 vezes em que fomos lá, já não era a mesma sala, nem o mesmo andar e muito menos a mesma pessoa com quem tínhamos que conversar para ver o status da coisa toda, pois sempre nos mandavam para 200 lugares diferentes. Não sabiam eles que eu queria mandá-los para um lugar muito mais especial e propício. Cheguei ao cúmulo de perguntar “então, linda, você pode me dar mais ou menos um prazo de quando vai sair isso?” e ser respondida com risos sarcásticos e uma cara de “vai esperando, querida”. Mas como tudo que está ruim pode piorar, eles deixam os meus papeis e do Fábio em stand by enquanto perdem os do Guto.

Na última ida à sucursal burocrática do inferno me deparei com uma das cenas mais inimagináveis na minha carreira de aspirante à cidadã guatemalteca. Descobri, enfim, porque eles levam tanto tempo em regularizar imigrantes, conseguir vistos e dar informações concretas. Assim como qualquer empregado, os funcionários do departamento de migração também precisam ser valorizados. Por isso eles gastaram todo o tempo que seria dedicado ao trabalho à ELEIÇÃO DA RAINHA DA MIGRAÇÃO! Um espetáculo de beleza, arte e criatividade espalhado pelas paredes, guichês, elevadores e escadas do edifício. Posters, banners, recadinhos e fotos num esforço eleitoral jamais visto. Ficamos tão impressionados que o Fábio começou a tirar foto de tudo enquanto eu já preparava um post imaginário. Não falarei muito mais para deixar que vocês mesmos tirem conclusões do que foi essa disputa partidária.

Só fico triste por não ter podido exercer meu direito de imigrante legal (até porque só o Deus do Milho sabe se um dia sai esse maldito carimbo no passaporte) e não votei na minha candidata, a Rocío, que me pareceu bem simpática. Ainda não voltamos lá para ver o final dessa e da outra novela, mas espero do fundo do meu coração – assim como em todos os períodos pré-eleição no Brasil-, que la Reina de la Migración possa trabalhar pelo seu público imigrante, porque apesar de insistirem na nossa ilegalidade, o povo chapin até que acha a gente bem legal.

Escolham suas candidatas! Mas como o voto aqui ainda é por papel, você pode anulá-lo de forma criativa e inovadora sempre que necessário.









    

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Somente por amor

Em mais umas andanças chapinas, fui parar na cidade de Xela, que pertence ao departamento de Quetzaltenango. Embarcamos num sábado de madruga eu, Fábio (Brasil), Miriam e Fidel (México), Estrella (Guate), Nina (Noruega), Malek (Alemanha) e o Pieter (Holanda).

Para aquecer os motores e espantar o sono de todos os passageiros, o motorista resolveu colocar pra tocar "A 77 piores da Guatemala" e nos fez ir ouvindo daqui a Xela (3h30 de viagem) uma seleção de música medonha no último volume. Nessa hora agradeci a Deus a existência de MP3 player e Ipods e fui ouvindo a linda sintonia entre guitarras, baterias e baixos ser invadida por um toque de sanfona desafinada nos resquícios da caixa de som do ônibus que entravam pelos meus ouvidos.

Justamente naquele sábado era a final do "Guatemaltecão", que apelidado por mim seria algo como o Campeonato Brasileiro em terras chapinas e em estádios piores que do Estrela, em Cachoeiro do Itapemirim (para quem não sabe é o time da cidade natal do Roberto Carlos, que por sinal fará um show na Guatemala este mês hehehe). A cidade estava em polvorosa, porque a final foi entre o Municipal (da capital) e o Xelaju. E como Xelaju se pronuncia como Shelarrú e absolutamente ninguém conhecia o time (a não ser a Estrella), o apelidamos carinhosamente de XelaWHO?

Depois de devidamente instalados e alimentados, fomos ver o que a cidade tinha a oferecer. Bem, algumas voltas e uns quilômetros caminhados e vimos que não tinha tanta coisa assim. E eu insisti para que fôssemos ao tal Templo de Minerva, sugestão da amiga Celeste, que seria uma construção em estilo grego no meio da cidade. O que ela esqueceu de falar era que o tal templo estava caindo aos pedaços e que tudo ao redor fedia. Só sei que a Deusa da Sabedoria deve ter remexido a tumba na Grécia, em Júpiter, ou onde for, ao saber que aquilo foi construído em sua homenagem. Depois do templo, passeamos pelo mercado, rodamos mais um pouco e saímos para terminar de ver o tal jogo em um bar na cidade. Resulta que o XelaWHO perdeu de 3x0 e o Fidel ainda gritou "goool" quando o Municipal fechou o placar. Acho que nenhum habitante de Xela iria revidar a provocação, já que 99% do lugar tinha menos de 1.50 m.

De qualquer maneira, a visita a Xela valeu porque tivemos uma experiência que não se encontra em qualquer lugar. Nessa cidade há uma lenda de uma cigana que morreu muito jovem e que todos os dias aparecia uma rosa em sua tumba. A rosa supostamente era de um casinho proibido que ela teve antes de virar pó. No final das contas, as pessoas começaram a fazer pedidos de amor à cigana e hoje todos que vão a Xela têm que deixar um recadinho na sua tumba esverdeada. Nós que não somos bobos fizemos o mesmo, porém com a dúvida cruel se a pobre Vanuscha iria entender a torre de babel em que se transformou aquele cemitério.

E como boas ideias não têm hora e nem lugar, Vanuscha Cárdenas Barajas serviu de inspiração para o 3º episódio do Mira Pues, mais cosmopolita do que nunca.

Hasta luego, muchis.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Chuva de prata que cai sem parar...

Quando se viaja para um país diferente (para não dizer “estranho” e gerar duplo sentido) você espera viver outros tipos de emoções, vivenciar descobertas, experimentar aventuras e tudo o que a palavra novidade pode te proporcionar. Na Guatemala já vivi tremores, viagens com animais vivos e mortos dentro do ônibus, desafios à lei da física e à lei da burocracia, enfurecimento de vulcões e quando eu esperava que nada mais poderia acontecer (ou nada tão rápido assim depois do último acontecimento)... CHOVE AREIA!

Exatamente. Estávamos eu e o Fidel (roomie mexicano) na academia (vai ver por isso choveu qualquer outra coisa que não água) quando ouvimos um pronunciamento no alto-falante: “senhores clientes, por motivos de forças naturais da natureza (?), estamos fechando a academia por que está chovendo cinza”. Depois de “sabe aquela saudade de ouvir um pagode ao vivo?”, dita pelo amigo Guido ao completar sua existência depois de descobrir um bar brasileiro em seu intercâmbio na Holanda, nunca achei que ouviria uma frase assim.

Enfim, saí pra conferir o que reservava o final do mundo maia e de fato chovia cinza e chovia pedra preta e eu como criança boba como se tivesse visto neve pela primeira vez. Assim preferi encarar as substâncias escurinhas que caíam do céu, resultado da erupção daquele mesmo vulcão que tentei subir há umas semanas por aí. Conseguimos uma carona até em casa e, para minha surpresa, também chovia pedra dentro do meu quarto, na minha cama, obrigada.

Depois dessa sacanagem do Deus do Milho, ligamos para uns amigos para ver se estava tudo bem e fiquei incrédula por 24 horas. Na TV as imagens malucas do vulcão expelindo fogo e sabe-o-deus-do-milho-lá-mais-o-que. O lance é que tiveram que retirar os moradores dos povoados mais próximos ao Pacaya, porque a lava chegou a atingir algumas casas, além das pedras (lá elas eram grandinhas). Infelizmente o Pacaya conseguiu mais umas vítimas para sua coleção. Um jornalista foi cobrir o ocorrido e acabou morrendo atingindo por uma pedra na cabeça (vamos ver se o leão morde, vamos gente?). E o Canal 7, onde ele trabalhava, fez uma homenagem muito da mórbida. Ao final do jornal da manhã, colocaram a imagem do repórter em sua última matéria, um fundo negro esmaecendo e a marcha fúnebre (!!!!!!!) tocando ao fundo.

Final (assim espero) da história: as ruas e telhados acordaram negros, aeroportos fechados, o país decretou estado de calamidade, escolas e faculdades sem aula e eu ainda tive que trabalhar, desviando de montinhos de areia e pedra para chegar à empresa. Pelo menos pudemos sair mais cedo, com um alerta laranja para chuva de cinzas!

Como cada desastre natural na Guatemala é um flash, a amiga Melina me convocou para uma entrevista ao vivo na CBN. Detalhe que eles levaram 15 minutos para conseguir me ligar porque uma mensagem dizia que não era possível encontrar o DDI da Guatemala. Senão é o fim do mundo como um todo, pelo menos todos já sabem que a Guatemala faz parte dele.

Mas vulcão por vulcão eu prefiro o nosso, porque o da Islândia tem nome impronunciável.

Só pra constar: eu não ouvi explosões e não estive perto da erupção, mas tá aqui meu momento 15 linhas de fama regional


Pacaya em erupção ontem (foto BBC)


 Meu telhado hoje de manhã


Telhado da cafeteria (era tudo bege)


Escada na empresa depois da chuva negra

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Welcome to the jungle


A Guatemala me faz feliz quando me apresenta a lugares absurdamente bonitos. Assim conheci Semuc Champey, um santuário de selva e água cristalina incrustado no meio do nada próximo à cidade de Lanquin. Depois de passar por Flores e Tikal na semana santa, o Ricardo (amigo chapin-hindu-entrevistado especial do 1º "Mira Pues" - vide 2 posts atrás) voltou para casa, enquanto Fábio e eu seguimos viagem por Lanquin, onde nos recomendaram visitar umas cavernas cheias de estalagmites e outros ites por dentro. Nunca tinha estado em um lugar assim. Você entra e a temperatura muda, escala umas pedrinhas, ouve vozes e gotas e enfrenta armadilhas... Me senti uma Goonie, pronta pra encontrar o Willy Caolho e ser salva da família Fratelli pelo Sloth vestido de super-homem. No final, tudo terminou em um banho de rio com a água mais gelada do mundo naquele povoado em que uma das 23 línguas maia é o idioma oficial.

Mas a estrela do dia foi Semuc Champey, a 20 minutos (que na cultura chapina significa 50!) do centro de Lanquin. O lugar é tão perfeito que nem o frango com pele devorado pelos nativos na beira da lagoa conseguiu estragar a beleza da coisa toda. O resultado foi que o passeio se configurou em mais uma aventura, que por sua vez serviu de inspiração para o episódio 2 do Mira Pues. Claro, uma viagem que começa com dois filmes seguidos do Chuck Norris no ônibus só poderia terminar na implantação do caos.

Divirtam-se e Welcome to the jungle (adoraria ter gritado essa frase e relembrado meus 15 anos no show do Guns para o qual eu comprei ingresso e me ferrei após ter sido cancelado e ainda não terem devolvido meu dinheiro. Quando eu fui pensar que um show de rock daria ibope na Guatemala?)!







domingo, 18 de abril de 2010

Em todos os anos nessa indústria vital...*

Há semanas estávamos marcando de subir um dos 3 vulcões ativos da Guatemala: o Pacaya, que faz parte do complexo de 32, 33, 37 - não sei bem - vulcões espalhados pelo território guatemalteco. Falando assim, parece até parque de diversões. Na verdade uns estão mais pertos, outros longe, em uns se pode subir, já em outros o acesso é complicado. O lance é que o Pacaya é o mais visitado e vários amigos já subiram, sem problema algum.

Combinamos de ir eu, o Fábio (Brasil), o Fidel (México) e os chapines Ricardo, Mariella e Luisa. Deveríamos ter saído ao meio-dia da minha casa, mas por um erro de comunicação, somado à pontualidade chapina, saímos às 13h10. A ideia era subir o Pacaya (1h pra chegar e 1h30 para subir), ver o rio de lava, o pôr-do-sol, fazer algumas piadas, descer e ser feliz para sempre. Isso senão fosse 1. O sol sumiu pouco antes de chegarmos; 2. O ar ficando mais rarefeito a cada metro caminhado (a parte do “felizes para sempre” já seria cortada a partir deste tópico); 3. Chegasse numa parte da montanha com 3 caminhos diferentes e conseguir tomar os 2 errados e ter que voltar; 4. Um acidente jamais registrado no topo do volcão – até então – acabar com a expectativa de uma tarde 100% divertida.

Quando já estávamos a muuuitos metros de altura, mas ainda longe de ver a lava e a cratera (e, na verdade, de chegar de fato ao vulcão), umas pessoas que estavam descendo nos falaram que não poderíamos subir muito mais porque tinha acontecido um acidente. Nisso subiram uns carros da polícia e dos bombeiros e vimos que a coisa era séria e quisemos subir um pouco mais para ver até onde poderíamos chegar e para aproveitar o restinho de fôlego que ainda nos restava... Até que uma cena de filme baseado em experiências reais passou na nossa frente: uma menina com o rosto cheio de sangue montada num cavalo (se quiser você pode pagar para subir o vulcão em um cavalo) guiado por dois homens descendo a montanha dizendo-nos “não vão, não subam por favor” e chorava e o sangue escorrendo. A cena foi realmente impactante, porque não sabíamos o que dizer a ela, porque até então não sabíamos exatamente o que tinha acontecido. Um outro grupo que descia nos explicou que houve uma explosão e que caíram pedras e lava (e nós ainda queríamos vê-la, obrigada) que atingiu a um grupo e que havia dois mortos. Aí o choque foi maior e quando nos preparávamos pra descer veio uma vítima que tinha uns machucados nos braços atingidos pelas pedras que nos disse para não subir e que se quiséssemos ver lava que era melhor vê-la pela TV.

Começamos a descer aquele caminho arenoso em velocidade recorde, e as ambulâncias subindo e, para piorar, a neblina limita nosso campo de visão a 5 metros e começa a chover, e a chover mais forte e mais forte e A CAIR GELO DO CÉU! Não dava nem tempo nem espaço de abrir o guarda-chuva e quando já estávamos na metade do caminho para chegar ao estacionamento (o vulcão é tão pop que até estacionamento próprio tem) ouvimos o que pode ter sido mais explosões 5 km acima. Para terminar, caiu o mundo de água quando chegamos em terra firma que chovia mais dentro que fora do carro.

Quando já tínhamos recobrado a consciência nos demos conta de que senão fosse pelo atraso estratégico na saída da capital, poderíamos ter sido testemunhas oculares do acidente que matou um guia e uma turista venezuelana... Repetindo: o primeiro acidente desse tipo registrado na história ativa desse vulcão ou na história desse vulcão ativo, ainda estou confusa. Resultado: fomos agradecendo ao Deus do Milho pela nossa vida do Pacaya até chegar em casa, sãos, salvos e encharcados e ouvindo pelo rádio uma locutora dizer “buenas tardes mis amigos en esta linda tarde de domingo”. Acho que alguém esqueceu de abrir a cortina hoje.


Antes de subir, com nossos cajados marotos alugados




No meio da bagunça




Melando o rock...

Estamos bem e no final saímos para comemorar a vida com um delicioso crepe de Nutella, que é deus em forma de sobremesa na Guatemala.


* Essa é a primeira vez que isso me acontece.

domingo, 4 de abril de 2010

Ahhhhh... O Mundo Maia!

Depois de um mês sem dar o ar da graça, voltei para contar umas passagens nas minhas andanças pela Guatemala. Para economizar cliques e acessos, vou resumir duas histórias e contá-las agora, ya, now!

Panajachel (departamento de Sololá)

O primeiro desafio de viajar na Guatemala é pronunciar o nome da cidade de destino. Não que “Panajachel” seja difícil em espanhol, mas o som da palavra ecoa como algo com o que jamais farei algum tipo de associação.  Talvez essa minha limitação deva ser porque Vitória e Vila Velha – tão comuns no meu vocabulário capixaba – não careçam de muito poder de abstração. Enfim, Panajachel (Pana para os íntimos) ainda vai, quero ver o dia em que eu for a Huehuetenango, Chalchuapa ou coisa assim. Terei que ter muito cuidado, pois uma troca de sílabas pode me levar, de repente, para um lugar mais bizarro ainda, tipo Honduras, sei lá (ok, ainda não superei o trauma).

Fomos comemorar o aniversário da amiga chapina Celeste em Pana num final de semana. Além de nós duas, foram também o Fábio (Brasil), a Miriam (México) e o nosso amigo, motorista e dublê de ator cantonês, José-Jackie Chan. Lá encontramos a Estrella (Guate) e o Malek (Alemanha). Depois de andarmos pelo mercado de artesanatos pedindo desconto até em chiclete, pegamos um barco que nos levou até o povoado de San Pedro la Laguna. Ah sim, barco porque em Pana está localizado um dos maiores lagos da Guatemala, o Atitlán, com 126 Km2. O lugar é bem bonito, mas infelizmente o lago está contaminado por uma bactéria, o que impede algumas (eu disse algumas) pessoas de tomar banho. Os riscos são os mesmos conhecidos de outros lagos impróprios: você mergulha com 10 dedos nas mãos e volta com 15 e ainda ganha um 3º olho de brinde. Resultado: qualquer gota do Atitlán que caísse em nós durante o trajeto já era motivo para desabrochar o desespero de se tornar um mutante. O mais legal do passeio foi conhecer uma hippie gringa muito bonita que nos acompanhou no barco. Imaginem só: loira, alta, olhos azuis, magrinha... E com a trança da Rapunzel embaixo do braço.

San Pedro la Laguna é um povoado muito interessante. Lá há vários bares e restaurantes legais, pousadas baratas e os nativos falam, além de espanhol, umas línguas indígenas chamadas K'iché, Tz'utujil e Cakch'iquel (agora eu dou um doce pra quem souber pronunciar isso). Seguindo a tradição chapina de beleza no rock, saímos para uma boate onde a pessoa mais bonita era o garçom, obrigada. E como quando chove Xuxa no meu colo cai Pelé (e se bobear com a Sasha no colo dele), podem imaginar as criaturas que por lá estavam. Até um aborígene neozelandês apareceu entre os hippies e os nativos na festa. Para resumir Pana, deveria dizer que os pontos altos foram: nativa tomando banho peladinha no lago, Jackie Chan “perdendo” o quarto na pousada e uma ressurreição da Shakira no início de carreira como trilha sonora local.

Tikal

Na semana santa Fábio, Ricardo (amigo chapin-hindu) e eu fomos às ruínas do império maia que estão situadas na região de Petén, a umas 10 horas da capital. Tikal foi uma das mais importantes cidades maias e o lugar é absurdo! Pirâmides, templos, palácios... Todos construídos mais ou menos entre 200 d.C. e 850 d.C. 

Eu não vou falar muito sobre a nossa caminhada de 5 horas, porque resolvemos ilustrar melhor essa experiência utilizando tecnologias pós-colombianas. Semana que vem eu conto sobre o resto da viagem. Por enquanto fiquem com a nossa mais nova empreitada, o Mira Pues (expressão mais usada depois do famoso “Fijáte” – uma espécie de “note”, “veja bem” -, dito a cada vírgula), pocket show mais chulero* da Guatemala. O nervosismo da improvisação me fez esquecer plurais e pronúncias em português (ver: "válios" e "artesãos"), sorry.


Ah sim, isso tudo era só pra dizer que eu vou fazer mais uma tatuagem, inspirada pelo mundo maia, com dois objetivos distintos: marcar definitivamente minha experiência de intercâmbio nesse lugar maluco e, claro, acertar as contas com a civilização que previu o caos em 2012.

Hasta luego, muchis.

*Chulero = bacana, legal, sussa.
Ps. Novas fotos no Orkut, Facebook e em http://picasaweb.google.com.br/re.smurari

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Drops away from Guatemala

(Para ler com voz de sambista) 
“Alô Guatemala!! Sacode, sacode, vai!”

Um comentário rápido antes que o mundo estremeça outra vez. Eu costumo ter um sono muito pesado, de não se deixar abalar por acidentes de carro na porta de casa ou por um grupo de pagode ensaiando nas primeiras horas da manhã ou com acidentes de carro com grupos de pagode. As duas únicas coisas que me fizeram acordar na Guatemala foram um dia em que uns chapines malucos resolveram soltar fogos às 5h da manhã e o dia em que a terra tremeu duas vezes enquanto eu tentava dormir. Aqui vai a história que já contei 70 mil vezes ao vivo, 40 por teleconferência, 65 por e-mail e uma pelo jornal online mais lido do meu Estado hahaha (um beijo, Melina!)

Madrugada do dia 23/02 – Acordo com “alguém” me sacudindo, abro o olho, percebo que havia algo diferente, mas ignoro a sacudidela e meu cérebro me manda uma mensagem de que aquilo era apenas o mundo maia me embalando para dormir.

4h45 da manhã – Acordo com uns tremiliques da placa tectônica mais próxima e tenho a sensação de ter bebido um litro de vodka. “Era uma sensação de rodar e rodar e rodar...” E foi quando disse: “Berenice, segura! Nós vamos tremer”. Mentira, nem deu tempo de pensar no clássico do Youtube, mas adorei que me lembraram dessa citação um dia depois. O lance é que a cama sacudia, o teto girava, a mesa tremia e eu tentava gritar o povo da casa, mas a voz simplesmente não saía. Fiquei estática (até onde o sismo permitiu) na cama e a única reação que tive foi colocar as mãos para proteger a cabeça e agradecer pela nossa casa não ter laje no segundo andar. Dormi mal o resto da noite e só de manhã, ao conversar com os meninos, me dei conta da situação e de que todo mundo estava assustado e sofrendo sozinho hehehe.

Na Novartis o papo matinal era o terremoto, óbvio. E quando já estava todo mundo envolvido com seu trabalho novamente, eis que surge um novo abalo às 9h50 da manhã e corre todo mundo para evacuar o prédio. Resultado: agora, qualquer caminhão que passe na avenida da frente e faça tremer a janela em 0.005 graus na escala Richter já me faz pensar que é a terra se encaixando numa posição mais confortável. Mas agora já sei o que fazer, porque minutos depois do último abalo, recebemos um e-mail com dicas sobre como agir na hora do caos!

O fato rendeu um depoimento no Gazeta Online por culpa dos queridos amigos jornalistas que trabalham lá. E apesar do que alguns queriam, que tivesse gente desesperada pela rua e casas destruídas, entre mortos e feridos todos se salvaram.

O mais legal é que o terremoto foi justamente no dia em que inaugurou-se o ano no calendário maia. Logo, minha teoria é de que algum ancestral pré-colombiano resolveu quebrar tudo num after party bem maluco! Ou que a culpa é, como sempre, da Leila Lopes, porque afinal de contas tudo pode acontecer em  uma tarde com um lindo sol azul que brilhava às 17 horas.

Dedico essa matéria à Leila, que em menos de um ano já rendeu a maioria de citações desse blog.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Samba no pé que é bom, nada!

Muita gente diz que brasileiro aproveita os feriados de final de ano e já emenda o natal no ano novo e começa a vida e a prometida dieta depois do carnaval. Há anos que desconheço, infelizmente, essa sensação, já que desde que voltei da Itália em 2007 não tenho férias e em vez de emendar um feriado no outro, acabei é juntando um trabalho em cima do outro e aqui estou na Guatemala, trabalhando 8, 10, 12 horas por dia, obrigada. Portanto, um feriado tipo o Carnaval - vários dias de folga, praia, calor e festas - seria algo muito esperado. Pelo jeito vou continuar esperando, já que carnaval não é o forte por aqui, e mesmo nunca tendo sido grande fã da muvucada, eu adoraria se essa data fosse celebrada por essas bandas também.

Eles bem que fizeram uma tentativa, mas a associação de tradições na Guatemala, é claro, teria que ter suas próprias características bizarras. No começo da semana um colega holandês me ligou pedindo apoio na festa de carnaval que ele estava organizando com um dono de um bar bem legal que tem por aqui, o Cheers. Falou para avisar a “comunidade brasileira”, que para mim significa “fale com seus roomates” e levar uns sambas e tal. Até tentei me comunicar com a embaixada brazuca, mas com aquele belo horário de atendimento até às 13h, imaginei o esforço que eles fariam pra divulgar a festa. Resolvi mandar um e-mail pra descarregar a consciência, mesmo tendo visto que a agenda cultural no site deles tinha como evento marcado um show de samba em outubro de 2009! Desatualizações a parte, não recebi resposta até hoje. Mas, na verdade, foi um sinal, porque a festa em si faria qualquer passista se orgulhar pela decoração e se enforcar numa serpentina pelo quesito música.

Mais uma vez eu tentei. Cheguei, entreguei os cds para o DJ chapin, dei as devidas explicações e ofereci ajuda para escolher as músicas certas. Horas de pesquisa e downloads em vão. A desgrama do homem continou botando os mesmos reggaetons de todas as festas da Guatemala!! Na boa, eu acho que existe uma convenção de DJ’s, na qual a ala conservadora pleiteia a execução das mesmas 10 músicas em todas as festas. Ou junto com a leia seca de tudo fechar a 1h da manhã, deve ter uma lista de reprodução musical obrigatória, sei lá! E logo o Cheers, que era um dos únicos refúgios que eu conhecia onde o rock se escondia, até então, sucumbiu aos apelos do reggaeton e da salsa.

90% da festa era gringa, 50% acima de 40 anos e aí descobri que, de fato, outras embaixadas ajudaram na divulgação. Assim, as comunidades inglesa, alemã e holandesa estavam em peso e em cabelos loiros, enquanto a brasileira seguia representada por mim e pelo Fábio apenas. Bem, ser minoria eu já estou acostumada, agora ser minoria e sem voz em pleno carnaval foi um golpe à minha diplomacia. Nem o coro dos amigos gringos gritando “samba samba!” tocou o coração de salsa gelada do DJ.

Foi quando eu ouvi a introdução de um trambone e já acreditando que viria um pandeiro, uma cuíca ou algo assim, o salão se inundou com uma marchinha... HOLANDESA! Incrédula, parei pra ver a comunidade loira cantando numa língua bonitamente maluca e levantando seus copos de cerveja guatemalteca, quando começa outra marchinha e eu já com a cabeleira do zezé entalada na garganta e... ALEMÃ??? Foi tudo muito rápido, mas quando dei por mim já tinham nos jogado para um trenzinho e todos rodando o bar ao som de uma música que lembrava alguma festa do imigrante numa cidade chucrute perdida pelo Brasil. Não sabia se ria ou chorava, mas vi a esperança do samba morrer quando entre um reggaeton e outro o DJ era obrigado a tocar mais e mais marchinhas holandesas e alemãs. Nem meu chapéu fake de Carmem Miranda fez o homem amolecer. Resultado: antes do fim da festa pedi meus cds de volta, e fui aguardar a coroação do rei e da rainha do carnaval chapin 2010. O gran finale foram as pessoas sendo premiadas com um grande e fedorento (mas que parecia delicioso) queijo feito com leite das vaquinhas gordinhas holandesas de sininho no pescoço.

(Para ler com voz de juiz do carnaval do Rio)
Quesito: harmonia.
Mocidade Independente da Guatemala Marota: 7 e meio.

* Post dedicado ao amigo Guido, que vai pra sua temporada intercambista na Holanda nessa terça, país que não tem o melhor carnaval do mundo, mas que tem outras 786 mil coisas melhores que isso! Vai que é tua braço!

(Para ler como se tivesse xingando a 3ª geração da sua família)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ai meu reggaeton!




A viagem para El Salvador começou e terminou de forma bem tranquila. Sem problemas na imigração (a não ser para o Guto, porque inventaram que ele estava ilegal e que devia uma multa de 2 mil quetzales, mas isso daria um post inteiro se ele tivesse um blog), pessoas mega receptivas e, claro, aproximadamente 77 situações no mínimo cômicas.

Chegamos à capital, San Salvador, onde o Rapha - Aieseco colombiano - nos buscou e nos levou para um terminal de ônibus, porque já partiríamos para uma outra cidade. Aqui cabe un par de parênteses. Nunca sei se falo terminal, estação, ponto, parada ou descida quando me refiro a "lugares para pegar ônibus" na América Central. Todos os que conheci até hoje se configuravam em qualquer coisa, menos em uma rodoviária. Ou seja, normalmente cada empresa tem seu próprio ponto, daí cada vez que você pensa em viajar, deve adicionar à listinha uma bela pesquisa sobre em que zona essa bendita "rodoviária" (reparem nas aspas) vai estar. Claro que a pior parada até hoje foi a da Rutas Orientales, companhia que te "leva" (mais uma vez o grifo) para Honduras.

Rancores diplomáticos à parte, a rodoviária de El Salvador era bem maluca. Imaginem um espaço com um muro no meio, sem placa das empresas nem guichês, milhões de pessoas andando por ali e agentes tentando te convencer a pegar aquele ônibus, mesmo sem ter a menor ideia do destino que te pertence. Achamos nosso bus, e como a voz da experiência da superlotação falou mais alto, resolvemos entrar mesmo faltando quase 1h para a partida. Afinal, há de se garantir seu lugar quando a passagem custa incríveis 35 centavos de dólar. Foi então que o show comecou, e a Fiore, o Fábio e eu (o Guto só iria nos encontrar dias depois) assistimos a tudo de camarote. Pensem em um ambulante vendendo qualquer porcaria dentro do Transcol (para os não-habitantes de Vitória, essa é a nossa querida companhia de transporte público, e dessa vez eu falo sem ironia, porque já estou até sentindo falta), agora multiplica por 57 e eleve à quinta potência: assim é num ônibus em El Salvador.

Vendiam de tudo, e quando eu falo de tudo, é TUDO mesmo. Uma pequena amostra: de sorvetes já nos cones e enrolados num guardanapo a fatias de manga com limão (??); de churrasco a um remédio que, entre outras coisas, prometia a cura da gastrite, cólica, dor de garganta... Uma verdadeira panaceia! Até um vendedor de adesivos à la Manassés (sempre o pessoal do submundo das drogas) apareceu por lá. Mais engraçado que os vendedores eram os compradores. Uma mãe que comprava tudo para o seu filho de 1 ano de idade. Sério, de 2h de viagem, o menininho obeso passou pelo menos 1h40 comendo. Dessa vez não teve tatu empalhado, mas teve um senhor que levou sua galinha viva pra viajar. Ele comprou hambúrguer, banana frita e escovas de dente (eu os alertei sobre TUDO). Depois de todo mundo satisfeito, começa a jogação de coisa pela janela. Numa dessas, um senhor acertou a cabeça do Fábio com um limão e me garantiu risadas até hoje, obrigada.




Isso tudo era pra chegar a Alegria, um povoado onde tem uma lagoa verde, linda e sulfurosa numa cratera de um vulcão. Subimos vulcão acima por muitos minutos e fomos presenteados com um lugar sensacional, mas que, como tudo por aqui, apresenta um enorme potencial de se tornar um Piscinão de Ramos. Mais gente de roupa tomando banho e eu e a Fiorella com nossos biquínis comportados da América do Sul. Acontece que havia uns operários lá fazendo não sei o que e explodindo pedras (uma que quase atingiu a nossa cabeça no meio da lagoa, inclusive) e a pedreiragem rolou solta. Foram aproximadamente 40 minutos ininterruptos de assobios, gritinhos vindo do meio da floresta e pedidos de "tira o baby doll (??)". A gente não sabia se ficava dentro do lago se escondendo e morrendo de frio ou se saía para expor inevitavelmente a figura.




No dia seguinte regressamos a San Salvador para o reveillon, onde passamos com a Brenda - amiga do Guto -, amigos e parentes, entre eles, um primo que não acreditava que não comíamos feijão no café-da-manhã. Rodamos a cidade, que nos surpreendeu pelo lugares bonitos e óóóteeemos pra sair sem hora pra voltar. A única coisa com a qual eu tento me acostumar, mas acabo vendo que não estou 100% integrada na cultura local é a seleção musical dos lugares. De todos onde fui, se em 2 bares tocou rock foi muito. A preferência nacional - ou territorial, no caso - aqui é o tal do reggaeton. É uma mistura de tum-ti-tum com letras capciosas e uma ginga latin-lover. Forçando, poderia dizer que é um pancadão de mullets. Algumas são legais e engraçadas, mas 5h seguidas é um tanto quanto chato, digamos. Na dúvida, vá até o chão e seja feliz. Aqui na Guatemala a gente vai para a boate, escuta as mesmas 10 músicas quando ela está vazia e no fim do rock, as mesmas 10 tocam de novo porque tem mais gente pra aproveitar. DJs limitados, muito prazer.

Na despedida da Fiore, Fábio e eu levamos nossa seleção brasileira. Entre sambas y otras cositas más, o DJ resolveu pôr Créu e Gaiola das Popozudas (e um dia ele tocou Ilariê, juro!). Enfim, tá no inferno, abraça o capeta. Essa definitivamente é a filosofia pra quem quer fazer intercâmbio. Afinal, as chances de você se deparar com coisas inimagináveis no seu mundinho em território nacional são bem grandes.

No reveillon do clube salvadorenho tinha open-oh-my-god-bar com bebidas ruins. E como a vodka de hoje é a dor de barriga de amanhã, meu 1º de janeiro foi regado à água de coco.

Por El Salvador ainda fomos numas praias do pacífico, uma inclusive com pessoas andando a cavalo (e tomando banho de roupa, óbvio) e o pôr-do-sol mais incrível da face da América Central
 .










Para terminar, deixo com vocês com uns reggaetons que provavelmente irão escutar pela 1ª e única vez, enquanto eu terei mais 765 oportunidades certas de revisá-los antes de voltar ao Brasil.

Minha preferida (menos latina e que toca no Brasil):


E essas são daquele jeito!










segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma ponte em nós

Depois da tentativa frustrada de visitar o Zelaya na embaixada brasileira, decidimos não arriscar e aproveitar o recesso de final de ano em terras guatemaltecas e no país amigo do lado, El Salvador (que merece um post só para ele, obrigada).

Saímos dia 25 de dezembro, portanto, passamos a noite de natal por aqui, na casa da nossa amiga Ruth, uma aieseca bem cool. Foi sem dúvida o natal mais explosivo da minha vida. Na Guatemala eles soltam mais fogos no dia 24 que no dia 31. Sério, era tanta explosão, tanto estouro (aqui tem uma tal de metralhadora de fogos, que eles colocam no chão e ela tem o simples objetivo de deixar os espectadores em volta surdos), que eu achei não veria o ano novo chegar. A Ruth tem a sobrinha mais engraçada do mundo, que é uma mistura de chapin com chinês e é simplesmente apaixonada por fogos. Ela não parava de acender e estourar tudo o que via pela frente (o que me deixava aflita ao vê-la segurando bastões flamejantes e rodando em volta da cabeça), isso com apenas 3 anos de idade, o que me fez pensar que se um dia a Guatemala voltar à guerra civil (3 toques na madeira), o país já tem onde encontrar sua candidata à kamikaze.

Antes da ceia, a avó da Ruth reuniu a família e nos deu um papel com músicas religiosas para cantar. Respeitando a cultura local, nos sentamos para acompanhar e eu comecei a ficar sem graça por ser a única a não arriscar uns tons musicais. Antes de começar, o Fábio já me alertou para que me contivesse numa possível crise de risos. Eu estava indo super bem até aparecer o verso “gozo humilde” e aí pronto, as canções natalinas deram lugar a tosses e tentativas instigantes de segurar a risada. No fim, tudo valeu a pena pois a comida, a recepção e as pessoas estavam todas ótimas.

Dia 25 – Rio Dulce e Livingstone
Embarcamos cedo num ônibus sem tatu empalhado dessa vez – e também sem espaço para pôr as pernas. Cinco horas depois já estávamos em Izabal, departamento onde ficam Rio Dulce e Livingstone (dados a confirmar), no litoral caribenho, incrustado pela mata atlântica. Descemos em Rio Dulce e pegamos um barco para Livingstone. 1h40 navegando numa água tão verde que não se sabia onde terminava o rio e onde começava o mar. Enquanto especulávamos sobre a pororoca guatemalteca, nosso barco girava ilhas, parava em lugares com água quente e fedida a enxofre e resgatava passageiros. Um outro barco havia dado problema e chegamos perto para ajudar (e, no meu caso, rezar para que o piloto-motorista-guia não colocasse todos os passageiros com a gente e não aumentasse a chance daquilo afundar). O momento de solidariedade foi trocado por uma curiosidade sociológica. Os chapins perdem tempo em tudo: fila de supermercado, trânsito, resolução de problemas pequenos e em outras milhares de coisas. Mas se tem algo em que eles otimizam o tempo da melhor maneira que podem é com a comida. Seja no meio da rua, dentro do ônibus ou de um barco encalhado, frangos e tortillas estarão sempre disponíveis para matar a fome do guatemalteco. Nesse caso não era só frango, havia uma panela de arroz, feijão, banana frita e sacos e sacos de pão de forma. Todo mundo do barco descendo a mão (literalmente, pois talher era uma ilusão) no rango e sendo feliz. Todos satisfeitos – e eu de estômago embrulhado -, resgatamos o patriarca da família para que seguisse viagem com a gente. Nosso barco estava bem eclético: eu, Fiorella, Fábio e Guto de um lado, uma família chapina de outro, o guia de nome Froiland e seus dentes de ouro, um casal de lésbicas alemãs rumo à terceira idade no meio e o senhor resgatado ao lado.

Descendo em Livingstone dois nativos apareceram para nos oferecer lugar para ficar: um era filho de índio, que foi abandonado pela família e adotado por outra da região e o outro se chamava Romário, baixinho como o brasileiro e como todos os habitantes da Guatemala. Nos conduziram a algumas pousadas até que decidimos por ficar na African-não-sei-o-que-lá-place, uma coisa meio castelo, meio masmorra, com cachorros e galinhas passeando pelo pátio, um grande charme irônico.

O diferencial de Livingstone é ser uma região cujos descendentes são africanos. Praticamente não se vê indígena no lugar. Todos são negões, as mulheres com seios e bundas protuberantes e um espanhol bem diferente. Entre todos os idiomas e dialetos falados no país, o Garífuna é aquele instalado apenas nessa região. E todo mundo na rua conversa naquela coisa meio africana, meio latina, interessante e curioso de se ver.

Como não tínhamos almoçado e a noite já dava sinais de chegada, fomos a um bar-boteco-restaurante por ali. Pedi um café ao final e a mulher trouxe açúcar misturado com sal na vasilha. Pedi que trocasse, ela o fez, porém antes de temperar a coisa toda resolvi provar. Legal, o café estava salgado DE NOVO! O que nos rendeu risadas e apenas 2 goles para fazer valer os quetzales que paguei. A partir de então, em todos os lugares eu perguntava se o café era salgado ou normal. Todos riam e me olhavam com uma cara de “como assim?!” e eu voltava a explicar a história. Enquanto comíamos víamos a vida passar naquele lugar. Fiquei impressionada como ela simplesmente NÃO PASSA!! Não tem muita coisa pra fazer no povoado, tudo está longe dali, faz um calor que ninguém fica em casa à noite e o rock é pôr a roupa mais curta e o sapato mais alto que tiver e ir pra rua desfilar com os filhos. Sim, porque cada casa tem pelo menos duas crianças. Nunca vi tanta junta. Livingstone parece uma creche, elas estão por todos os lugares. Inclusive encontramos uma meio perdida na praça dos crocodilos (oh yeah baby, tem 2 crocodilos na praça central da cidade) chorando... Mas quando ela viu o Fábio tudo se acalmou e nosso amigo reconheceu a paternidade em praça pública, foi lindo! Livingstone é meio uma Havana guatemalteca (ou pelo menos a ideia que tenho eu), senhoras gordas com roupas coloridas, pessoas dançando punta (dança precursora ao tchan... NOT) em bares pequenos, tranças e uma alegria de viver que não se sabe de onde vem.

Terminada a refeição, acompanhada de um espetáculo cultural que lembrava a folia de reis, fomos caminhar pelas ruelas mal-cheirosas da cidade. Como o maior integrante da nossa trupe ainda tinha fome, resolveu arriscar numa pupuseria (ver pupusa no último post) ambulante que estava ali pela esquina. Os sabores não eram frango, carne ou feijão, e sim, 10, 20 ou 30 quetzales. Coliformes fecais a gosto, porfa*. A cultura aqui é mão na comida, mão no dinheiro, mão na comida de novo. O que me fez virar uma usuária contínua do álcool em gel, mais agora que no surto de gripe suína. Assim, o Guto se satifez em duas noites seguidas, virando cliente cativo da “lanchonete”.

No outro dia fomos com Froiland fazer um passeio de barco. Paramos numa ilha com piscinas naturais, água – quando tinha, porque não chovia há tempo e estava quase tudo seco – cristalina etc. e tal. E depois fomos para Playa Blanca, paraíso-na-Terra.com.gt. O litoral caribenho da Guatemala é bem bonito. A praia é linda, areia branca, água azul, morna, coqueiros, gringos e mais coqueiros. A vontade era comer uma frutinha e dormir pra sempre, como no final de Lagoa Azul.

Saindo de Livingstone, fomos para um hotel sobre a água em Rio Dulce. De lá, atravessamos uma ponte que debaixo de um sol escaldante parecia não ter fim, e pegamos uma van – 15 lugares, 33 passageiros, 56 crises de pânico – para uma fazenda chamada Paraíso. O nome faria jus ao lugar senão fosse a capacidade do chapin em transformar tudo em Piscinão de Ramos. Assim como o frango, estavam presentes também os banhistas de blusa, bermuda e, às vezes, calça jeans. Biquínis e sungas não fazem muita parte do guarda-roupa guatemalteco. O bom é que a gente se diverte com, digamos, quase tudo. Depois de ficarmos imersos umas 2h na água ora gelada ora quente (a água que desce da cachoeira está naturalmente fervendo, chega a ser absurdo!!), decidimos voltar. O rock é ser podrão, claro, quando os gastos são sempre contados, mas miseravão demais tem limite. Prometi para mim mesma insistir no meu biquíni até as últimas consequências (elas virão no próximo post, num assédio moral sofrido por mim e a Fiorella em El Salvador hahaha).

Clima de férias no ar, deixamos o resto da viagem ser mais tranquilo porque vimos que mais de 3 dias em Livingstone/Rio Dulce é desnecessário. No fim, tudo valeu a pena, até atravessar a ponte a pé com 9 kg de mochila nas costas. Era hora de rearrumar as malas e embarcar para El Salvador, rezando para que a imigração fosse um pouco mais amigável. Cena dos próximos capítulos, queridos.

Hasta luego.

*porfa é um diminutivo de por favor. É usado tão cotidianamente por aqui, que não tem como não pegar.



A filhinha perdida do Fábio



Playa Blanca
Tema tosco do post, provecho!