segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma ponte em nós

Depois da tentativa frustrada de visitar o Zelaya na embaixada brasileira, decidimos não arriscar e aproveitar o recesso de final de ano em terras guatemaltecas e no país amigo do lado, El Salvador (que merece um post só para ele, obrigada).

Saímos dia 25 de dezembro, portanto, passamos a noite de natal por aqui, na casa da nossa amiga Ruth, uma aieseca bem cool. Foi sem dúvida o natal mais explosivo da minha vida. Na Guatemala eles soltam mais fogos no dia 24 que no dia 31. Sério, era tanta explosão, tanto estouro (aqui tem uma tal de metralhadora de fogos, que eles colocam no chão e ela tem o simples objetivo de deixar os espectadores em volta surdos), que eu achei não veria o ano novo chegar. A Ruth tem a sobrinha mais engraçada do mundo, que é uma mistura de chapin com chinês e é simplesmente apaixonada por fogos. Ela não parava de acender e estourar tudo o que via pela frente (o que me deixava aflita ao vê-la segurando bastões flamejantes e rodando em volta da cabeça), isso com apenas 3 anos de idade, o que me fez pensar que se um dia a Guatemala voltar à guerra civil (3 toques na madeira), o país já tem onde encontrar sua candidata à kamikaze.

Antes da ceia, a avó da Ruth reuniu a família e nos deu um papel com músicas religiosas para cantar. Respeitando a cultura local, nos sentamos para acompanhar e eu comecei a ficar sem graça por ser a única a não arriscar uns tons musicais. Antes de começar, o Fábio já me alertou para que me contivesse numa possível crise de risos. Eu estava indo super bem até aparecer o verso “gozo humilde” e aí pronto, as canções natalinas deram lugar a tosses e tentativas instigantes de segurar a risada. No fim, tudo valeu a pena pois a comida, a recepção e as pessoas estavam todas ótimas.

Dia 25 – Rio Dulce e Livingstone
Embarcamos cedo num ônibus sem tatu empalhado dessa vez – e também sem espaço para pôr as pernas. Cinco horas depois já estávamos em Izabal, departamento onde ficam Rio Dulce e Livingstone (dados a confirmar), no litoral caribenho, incrustado pela mata atlântica. Descemos em Rio Dulce e pegamos um barco para Livingstone. 1h40 navegando numa água tão verde que não se sabia onde terminava o rio e onde começava o mar. Enquanto especulávamos sobre a pororoca guatemalteca, nosso barco girava ilhas, parava em lugares com água quente e fedida a enxofre e resgatava passageiros. Um outro barco havia dado problema e chegamos perto para ajudar (e, no meu caso, rezar para que o piloto-motorista-guia não colocasse todos os passageiros com a gente e não aumentasse a chance daquilo afundar). O momento de solidariedade foi trocado por uma curiosidade sociológica. Os chapins perdem tempo em tudo: fila de supermercado, trânsito, resolução de problemas pequenos e em outras milhares de coisas. Mas se tem algo em que eles otimizam o tempo da melhor maneira que podem é com a comida. Seja no meio da rua, dentro do ônibus ou de um barco encalhado, frangos e tortillas estarão sempre disponíveis para matar a fome do guatemalteco. Nesse caso não era só frango, havia uma panela de arroz, feijão, banana frita e sacos e sacos de pão de forma. Todo mundo do barco descendo a mão (literalmente, pois talher era uma ilusão) no rango e sendo feliz. Todos satisfeitos – e eu de estômago embrulhado -, resgatamos o patriarca da família para que seguisse viagem com a gente. Nosso barco estava bem eclético: eu, Fiorella, Fábio e Guto de um lado, uma família chapina de outro, o guia de nome Froiland e seus dentes de ouro, um casal de lésbicas alemãs rumo à terceira idade no meio e o senhor resgatado ao lado.

Descendo em Livingstone dois nativos apareceram para nos oferecer lugar para ficar: um era filho de índio, que foi abandonado pela família e adotado por outra da região e o outro se chamava Romário, baixinho como o brasileiro e como todos os habitantes da Guatemala. Nos conduziram a algumas pousadas até que decidimos por ficar na African-não-sei-o-que-lá-place, uma coisa meio castelo, meio masmorra, com cachorros e galinhas passeando pelo pátio, um grande charme irônico.

O diferencial de Livingstone é ser uma região cujos descendentes são africanos. Praticamente não se vê indígena no lugar. Todos são negões, as mulheres com seios e bundas protuberantes e um espanhol bem diferente. Entre todos os idiomas e dialetos falados no país, o Garífuna é aquele instalado apenas nessa região. E todo mundo na rua conversa naquela coisa meio africana, meio latina, interessante e curioso de se ver.

Como não tínhamos almoçado e a noite já dava sinais de chegada, fomos a um bar-boteco-restaurante por ali. Pedi um café ao final e a mulher trouxe açúcar misturado com sal na vasilha. Pedi que trocasse, ela o fez, porém antes de temperar a coisa toda resolvi provar. Legal, o café estava salgado DE NOVO! O que nos rendeu risadas e apenas 2 goles para fazer valer os quetzales que paguei. A partir de então, em todos os lugares eu perguntava se o café era salgado ou normal. Todos riam e me olhavam com uma cara de “como assim?!” e eu voltava a explicar a história. Enquanto comíamos víamos a vida passar naquele lugar. Fiquei impressionada como ela simplesmente NÃO PASSA!! Não tem muita coisa pra fazer no povoado, tudo está longe dali, faz um calor que ninguém fica em casa à noite e o rock é pôr a roupa mais curta e o sapato mais alto que tiver e ir pra rua desfilar com os filhos. Sim, porque cada casa tem pelo menos duas crianças. Nunca vi tanta junta. Livingstone parece uma creche, elas estão por todos os lugares. Inclusive encontramos uma meio perdida na praça dos crocodilos (oh yeah baby, tem 2 crocodilos na praça central da cidade) chorando... Mas quando ela viu o Fábio tudo se acalmou e nosso amigo reconheceu a paternidade em praça pública, foi lindo! Livingstone é meio uma Havana guatemalteca (ou pelo menos a ideia que tenho eu), senhoras gordas com roupas coloridas, pessoas dançando punta (dança precursora ao tchan... NOT) em bares pequenos, tranças e uma alegria de viver que não se sabe de onde vem.

Terminada a refeição, acompanhada de um espetáculo cultural que lembrava a folia de reis, fomos caminhar pelas ruelas mal-cheirosas da cidade. Como o maior integrante da nossa trupe ainda tinha fome, resolveu arriscar numa pupuseria (ver pupusa no último post) ambulante que estava ali pela esquina. Os sabores não eram frango, carne ou feijão, e sim, 10, 20 ou 30 quetzales. Coliformes fecais a gosto, porfa*. A cultura aqui é mão na comida, mão no dinheiro, mão na comida de novo. O que me fez virar uma usuária contínua do álcool em gel, mais agora que no surto de gripe suína. Assim, o Guto se satifez em duas noites seguidas, virando cliente cativo da “lanchonete”.

No outro dia fomos com Froiland fazer um passeio de barco. Paramos numa ilha com piscinas naturais, água – quando tinha, porque não chovia há tempo e estava quase tudo seco – cristalina etc. e tal. E depois fomos para Playa Blanca, paraíso-na-Terra.com.gt. O litoral caribenho da Guatemala é bem bonito. A praia é linda, areia branca, água azul, morna, coqueiros, gringos e mais coqueiros. A vontade era comer uma frutinha e dormir pra sempre, como no final de Lagoa Azul.

Saindo de Livingstone, fomos para um hotel sobre a água em Rio Dulce. De lá, atravessamos uma ponte que debaixo de um sol escaldante parecia não ter fim, e pegamos uma van – 15 lugares, 33 passageiros, 56 crises de pânico – para uma fazenda chamada Paraíso. O nome faria jus ao lugar senão fosse a capacidade do chapin em transformar tudo em Piscinão de Ramos. Assim como o frango, estavam presentes também os banhistas de blusa, bermuda e, às vezes, calça jeans. Biquínis e sungas não fazem muita parte do guarda-roupa guatemalteco. O bom é que a gente se diverte com, digamos, quase tudo. Depois de ficarmos imersos umas 2h na água ora gelada ora quente (a água que desce da cachoeira está naturalmente fervendo, chega a ser absurdo!!), decidimos voltar. O rock é ser podrão, claro, quando os gastos são sempre contados, mas miseravão demais tem limite. Prometi para mim mesma insistir no meu biquíni até as últimas consequências (elas virão no próximo post, num assédio moral sofrido por mim e a Fiorella em El Salvador hahaha).

Clima de férias no ar, deixamos o resto da viagem ser mais tranquilo porque vimos que mais de 3 dias em Livingstone/Rio Dulce é desnecessário. No fim, tudo valeu a pena, até atravessar a ponte a pé com 9 kg de mochila nas costas. Era hora de rearrumar as malas e embarcar para El Salvador, rezando para que a imigração fosse um pouco mais amigável. Cena dos próximos capítulos, queridos.

Hasta luego.

*porfa é um diminutivo de por favor. É usado tão cotidianamente por aqui, que não tem como não pegar.



A filhinha perdida do Fábio



Playa Blanca
Tema tosco do post, provecho!





8 comentários:

Carine disse...

como sempre, caí de tanto rir!
Não imagino como eu me sairia por ai! só com sua presença de espirito mesmo! hahahahaha imaginar cada pedaço com a descrição que vc dá, é hilário!
Quero ver mais fotos queridona!!! bejao!

Elisa Ribs disse...

E eu achando que comer no RU era a pior coisa que podia acontecer com uma pessoa. Mas comer com a mão é demais pra mim, hauhauhua. Adorei as aventuras, amigáh =oD Bjones.

Vitor disse...

Muito engraçado. Grandes aventuras hehehe =]
Viva a los guatemaltecos jajajajaja

Patrick disse...

Sensacional, como sempre. Dá vontade de ir pra Guatemala agora! Bjão!

fmotoki disse...

Ah, saudade desse lugar. Na época éramos integrantes de La Farofa, farofas e farofos. Os motivos são óbvios, né? rs Essa denominação ainda existe ou ficou no passado? Bjs!

Unknown disse...

Meu coração ficou cheio de amor quando encontrei minha filha (a cara do pai) brincando com os crocodilos. Acho que naquele momento o meu universo se alinhou... NOT!

Guto disse...

Niponica..
Só para constar, nao é Livingstone, é Livinsgton.Jajajajaja ( risada em español para dar um ar de quem sabe o idioma).
Adorei a parte do barco alternativo. Nossas amigas lesbicas eram muito vibe!
Quando vi a lancha cheia de comida (frango, frijoles e tortillas) quase SE joguei para entrar na onda chapina...NOT*
Beijos niponica

Mariana Carvalho (Pit) disse...

Oi Renata!

Nossa, super acompanho cada postagem do seu blog quando vc manda no grupo dos embaixadores da @!!!

E nesse em especial, rachei de rir com o "gozo humilde" sadjlkyjsdlysd

Ta em meus favoritos também, vamos nos acompanhando! ;)

Beijos!!