quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ai meu reggaeton!




A viagem para El Salvador começou e terminou de forma bem tranquila. Sem problemas na imigração (a não ser para o Guto, porque inventaram que ele estava ilegal e que devia uma multa de 2 mil quetzales, mas isso daria um post inteiro se ele tivesse um blog), pessoas mega receptivas e, claro, aproximadamente 77 situações no mínimo cômicas.

Chegamos à capital, San Salvador, onde o Rapha - Aieseco colombiano - nos buscou e nos levou para um terminal de ônibus, porque já partiríamos para uma outra cidade. Aqui cabe un par de parênteses. Nunca sei se falo terminal, estação, ponto, parada ou descida quando me refiro a "lugares para pegar ônibus" na América Central. Todos os que conheci até hoje se configuravam em qualquer coisa, menos em uma rodoviária. Ou seja, normalmente cada empresa tem seu próprio ponto, daí cada vez que você pensa em viajar, deve adicionar à listinha uma bela pesquisa sobre em que zona essa bendita "rodoviária" (reparem nas aspas) vai estar. Claro que a pior parada até hoje foi a da Rutas Orientales, companhia que te "leva" (mais uma vez o grifo) para Honduras.

Rancores diplomáticos à parte, a rodoviária de El Salvador era bem maluca. Imaginem um espaço com um muro no meio, sem placa das empresas nem guichês, milhões de pessoas andando por ali e agentes tentando te convencer a pegar aquele ônibus, mesmo sem ter a menor ideia do destino que te pertence. Achamos nosso bus, e como a voz da experiência da superlotação falou mais alto, resolvemos entrar mesmo faltando quase 1h para a partida. Afinal, há de se garantir seu lugar quando a passagem custa incríveis 35 centavos de dólar. Foi então que o show comecou, e a Fiore, o Fábio e eu (o Guto só iria nos encontrar dias depois) assistimos a tudo de camarote. Pensem em um ambulante vendendo qualquer porcaria dentro do Transcol (para os não-habitantes de Vitória, essa é a nossa querida companhia de transporte público, e dessa vez eu falo sem ironia, porque já estou até sentindo falta), agora multiplica por 57 e eleve à quinta potência: assim é num ônibus em El Salvador.

Vendiam de tudo, e quando eu falo de tudo, é TUDO mesmo. Uma pequena amostra: de sorvetes já nos cones e enrolados num guardanapo a fatias de manga com limão (??); de churrasco a um remédio que, entre outras coisas, prometia a cura da gastrite, cólica, dor de garganta... Uma verdadeira panaceia! Até um vendedor de adesivos à la Manassés (sempre o pessoal do submundo das drogas) apareceu por lá. Mais engraçado que os vendedores eram os compradores. Uma mãe que comprava tudo para o seu filho de 1 ano de idade. Sério, de 2h de viagem, o menininho obeso passou pelo menos 1h40 comendo. Dessa vez não teve tatu empalhado, mas teve um senhor que levou sua galinha viva pra viajar. Ele comprou hambúrguer, banana frita e escovas de dente (eu os alertei sobre TUDO). Depois de todo mundo satisfeito, começa a jogação de coisa pela janela. Numa dessas, um senhor acertou a cabeça do Fábio com um limão e me garantiu risadas até hoje, obrigada.




Isso tudo era pra chegar a Alegria, um povoado onde tem uma lagoa verde, linda e sulfurosa numa cratera de um vulcão. Subimos vulcão acima por muitos minutos e fomos presenteados com um lugar sensacional, mas que, como tudo por aqui, apresenta um enorme potencial de se tornar um Piscinão de Ramos. Mais gente de roupa tomando banho e eu e a Fiorella com nossos biquínis comportados da América do Sul. Acontece que havia uns operários lá fazendo não sei o que e explodindo pedras (uma que quase atingiu a nossa cabeça no meio da lagoa, inclusive) e a pedreiragem rolou solta. Foram aproximadamente 40 minutos ininterruptos de assobios, gritinhos vindo do meio da floresta e pedidos de "tira o baby doll (??)". A gente não sabia se ficava dentro do lago se escondendo e morrendo de frio ou se saía para expor inevitavelmente a figura.




No dia seguinte regressamos a San Salvador para o reveillon, onde passamos com a Brenda - amiga do Guto -, amigos e parentes, entre eles, um primo que não acreditava que não comíamos feijão no café-da-manhã. Rodamos a cidade, que nos surpreendeu pelo lugares bonitos e óóóteeemos pra sair sem hora pra voltar. A única coisa com a qual eu tento me acostumar, mas acabo vendo que não estou 100% integrada na cultura local é a seleção musical dos lugares. De todos onde fui, se em 2 bares tocou rock foi muito. A preferência nacional - ou territorial, no caso - aqui é o tal do reggaeton. É uma mistura de tum-ti-tum com letras capciosas e uma ginga latin-lover. Forçando, poderia dizer que é um pancadão de mullets. Algumas são legais e engraçadas, mas 5h seguidas é um tanto quanto chato, digamos. Na dúvida, vá até o chão e seja feliz. Aqui na Guatemala a gente vai para a boate, escuta as mesmas 10 músicas quando ela está vazia e no fim do rock, as mesmas 10 tocam de novo porque tem mais gente pra aproveitar. DJs limitados, muito prazer.

Na despedida da Fiore, Fábio e eu levamos nossa seleção brasileira. Entre sambas y otras cositas más, o DJ resolveu pôr Créu e Gaiola das Popozudas (e um dia ele tocou Ilariê, juro!). Enfim, tá no inferno, abraça o capeta. Essa definitivamente é a filosofia pra quem quer fazer intercâmbio. Afinal, as chances de você se deparar com coisas inimagináveis no seu mundinho em território nacional são bem grandes.

No reveillon do clube salvadorenho tinha open-oh-my-god-bar com bebidas ruins. E como a vodka de hoje é a dor de barriga de amanhã, meu 1º de janeiro foi regado à água de coco.

Por El Salvador ainda fomos numas praias do pacífico, uma inclusive com pessoas andando a cavalo (e tomando banho de roupa, óbvio) e o pôr-do-sol mais incrível da face da América Central
 .










Para terminar, deixo com vocês com uns reggaetons que provavelmente irão escutar pela 1ª e única vez, enquanto eu terei mais 765 oportunidades certas de revisá-los antes de voltar ao Brasil.

Minha preferida (menos latina e que toca no Brasil):


E essas são daquele jeito!










segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma ponte em nós

Depois da tentativa frustrada de visitar o Zelaya na embaixada brasileira, decidimos não arriscar e aproveitar o recesso de final de ano em terras guatemaltecas e no país amigo do lado, El Salvador (que merece um post só para ele, obrigada).

Saímos dia 25 de dezembro, portanto, passamos a noite de natal por aqui, na casa da nossa amiga Ruth, uma aieseca bem cool. Foi sem dúvida o natal mais explosivo da minha vida. Na Guatemala eles soltam mais fogos no dia 24 que no dia 31. Sério, era tanta explosão, tanto estouro (aqui tem uma tal de metralhadora de fogos, que eles colocam no chão e ela tem o simples objetivo de deixar os espectadores em volta surdos), que eu achei não veria o ano novo chegar. A Ruth tem a sobrinha mais engraçada do mundo, que é uma mistura de chapin com chinês e é simplesmente apaixonada por fogos. Ela não parava de acender e estourar tudo o que via pela frente (o que me deixava aflita ao vê-la segurando bastões flamejantes e rodando em volta da cabeça), isso com apenas 3 anos de idade, o que me fez pensar que se um dia a Guatemala voltar à guerra civil (3 toques na madeira), o país já tem onde encontrar sua candidata à kamikaze.

Antes da ceia, a avó da Ruth reuniu a família e nos deu um papel com músicas religiosas para cantar. Respeitando a cultura local, nos sentamos para acompanhar e eu comecei a ficar sem graça por ser a única a não arriscar uns tons musicais. Antes de começar, o Fábio já me alertou para que me contivesse numa possível crise de risos. Eu estava indo super bem até aparecer o verso “gozo humilde” e aí pronto, as canções natalinas deram lugar a tosses e tentativas instigantes de segurar a risada. No fim, tudo valeu a pena pois a comida, a recepção e as pessoas estavam todas ótimas.

Dia 25 – Rio Dulce e Livingstone
Embarcamos cedo num ônibus sem tatu empalhado dessa vez – e também sem espaço para pôr as pernas. Cinco horas depois já estávamos em Izabal, departamento onde ficam Rio Dulce e Livingstone (dados a confirmar), no litoral caribenho, incrustado pela mata atlântica. Descemos em Rio Dulce e pegamos um barco para Livingstone. 1h40 navegando numa água tão verde que não se sabia onde terminava o rio e onde começava o mar. Enquanto especulávamos sobre a pororoca guatemalteca, nosso barco girava ilhas, parava em lugares com água quente e fedida a enxofre e resgatava passageiros. Um outro barco havia dado problema e chegamos perto para ajudar (e, no meu caso, rezar para que o piloto-motorista-guia não colocasse todos os passageiros com a gente e não aumentasse a chance daquilo afundar). O momento de solidariedade foi trocado por uma curiosidade sociológica. Os chapins perdem tempo em tudo: fila de supermercado, trânsito, resolução de problemas pequenos e em outras milhares de coisas. Mas se tem algo em que eles otimizam o tempo da melhor maneira que podem é com a comida. Seja no meio da rua, dentro do ônibus ou de um barco encalhado, frangos e tortillas estarão sempre disponíveis para matar a fome do guatemalteco. Nesse caso não era só frango, havia uma panela de arroz, feijão, banana frita e sacos e sacos de pão de forma. Todo mundo do barco descendo a mão (literalmente, pois talher era uma ilusão) no rango e sendo feliz. Todos satisfeitos – e eu de estômago embrulhado -, resgatamos o patriarca da família para que seguisse viagem com a gente. Nosso barco estava bem eclético: eu, Fiorella, Fábio e Guto de um lado, uma família chapina de outro, o guia de nome Froiland e seus dentes de ouro, um casal de lésbicas alemãs rumo à terceira idade no meio e o senhor resgatado ao lado.

Descendo em Livingstone dois nativos apareceram para nos oferecer lugar para ficar: um era filho de índio, que foi abandonado pela família e adotado por outra da região e o outro se chamava Romário, baixinho como o brasileiro e como todos os habitantes da Guatemala. Nos conduziram a algumas pousadas até que decidimos por ficar na African-não-sei-o-que-lá-place, uma coisa meio castelo, meio masmorra, com cachorros e galinhas passeando pelo pátio, um grande charme irônico.

O diferencial de Livingstone é ser uma região cujos descendentes são africanos. Praticamente não se vê indígena no lugar. Todos são negões, as mulheres com seios e bundas protuberantes e um espanhol bem diferente. Entre todos os idiomas e dialetos falados no país, o Garífuna é aquele instalado apenas nessa região. E todo mundo na rua conversa naquela coisa meio africana, meio latina, interessante e curioso de se ver.

Como não tínhamos almoçado e a noite já dava sinais de chegada, fomos a um bar-boteco-restaurante por ali. Pedi um café ao final e a mulher trouxe açúcar misturado com sal na vasilha. Pedi que trocasse, ela o fez, porém antes de temperar a coisa toda resolvi provar. Legal, o café estava salgado DE NOVO! O que nos rendeu risadas e apenas 2 goles para fazer valer os quetzales que paguei. A partir de então, em todos os lugares eu perguntava se o café era salgado ou normal. Todos riam e me olhavam com uma cara de “como assim?!” e eu voltava a explicar a história. Enquanto comíamos víamos a vida passar naquele lugar. Fiquei impressionada como ela simplesmente NÃO PASSA!! Não tem muita coisa pra fazer no povoado, tudo está longe dali, faz um calor que ninguém fica em casa à noite e o rock é pôr a roupa mais curta e o sapato mais alto que tiver e ir pra rua desfilar com os filhos. Sim, porque cada casa tem pelo menos duas crianças. Nunca vi tanta junta. Livingstone parece uma creche, elas estão por todos os lugares. Inclusive encontramos uma meio perdida na praça dos crocodilos (oh yeah baby, tem 2 crocodilos na praça central da cidade) chorando... Mas quando ela viu o Fábio tudo se acalmou e nosso amigo reconheceu a paternidade em praça pública, foi lindo! Livingstone é meio uma Havana guatemalteca (ou pelo menos a ideia que tenho eu), senhoras gordas com roupas coloridas, pessoas dançando punta (dança precursora ao tchan... NOT) em bares pequenos, tranças e uma alegria de viver que não se sabe de onde vem.

Terminada a refeição, acompanhada de um espetáculo cultural que lembrava a folia de reis, fomos caminhar pelas ruelas mal-cheirosas da cidade. Como o maior integrante da nossa trupe ainda tinha fome, resolveu arriscar numa pupuseria (ver pupusa no último post) ambulante que estava ali pela esquina. Os sabores não eram frango, carne ou feijão, e sim, 10, 20 ou 30 quetzales. Coliformes fecais a gosto, porfa*. A cultura aqui é mão na comida, mão no dinheiro, mão na comida de novo. O que me fez virar uma usuária contínua do álcool em gel, mais agora que no surto de gripe suína. Assim, o Guto se satifez em duas noites seguidas, virando cliente cativo da “lanchonete”.

No outro dia fomos com Froiland fazer um passeio de barco. Paramos numa ilha com piscinas naturais, água – quando tinha, porque não chovia há tempo e estava quase tudo seco – cristalina etc. e tal. E depois fomos para Playa Blanca, paraíso-na-Terra.com.gt. O litoral caribenho da Guatemala é bem bonito. A praia é linda, areia branca, água azul, morna, coqueiros, gringos e mais coqueiros. A vontade era comer uma frutinha e dormir pra sempre, como no final de Lagoa Azul.

Saindo de Livingstone, fomos para um hotel sobre a água em Rio Dulce. De lá, atravessamos uma ponte que debaixo de um sol escaldante parecia não ter fim, e pegamos uma van – 15 lugares, 33 passageiros, 56 crises de pânico – para uma fazenda chamada Paraíso. O nome faria jus ao lugar senão fosse a capacidade do chapin em transformar tudo em Piscinão de Ramos. Assim como o frango, estavam presentes também os banhistas de blusa, bermuda e, às vezes, calça jeans. Biquínis e sungas não fazem muita parte do guarda-roupa guatemalteco. O bom é que a gente se diverte com, digamos, quase tudo. Depois de ficarmos imersos umas 2h na água ora gelada ora quente (a água que desce da cachoeira está naturalmente fervendo, chega a ser absurdo!!), decidimos voltar. O rock é ser podrão, claro, quando os gastos são sempre contados, mas miseravão demais tem limite. Prometi para mim mesma insistir no meu biquíni até as últimas consequências (elas virão no próximo post, num assédio moral sofrido por mim e a Fiorella em El Salvador hahaha).

Clima de férias no ar, deixamos o resto da viagem ser mais tranquilo porque vimos que mais de 3 dias em Livingstone/Rio Dulce é desnecessário. No fim, tudo valeu a pena, até atravessar a ponte a pé com 9 kg de mochila nas costas. Era hora de rearrumar as malas e embarcar para El Salvador, rezando para que a imigração fosse um pouco mais amigável. Cena dos próximos capítulos, queridos.

Hasta luego.

*porfa é um diminutivo de por favor. É usado tão cotidianamente por aqui, que não tem como não pegar.



A filhinha perdida do Fábio



Playa Blanca
Tema tosco do post, provecho!